Marcos do Val: Decreto das armas, ideologia ou guerra política?

Não há liberdade individual se o indivíduo está proibido de se protege

Hoje, no Brasil, vigora o decreto presidencial que atualiza a regulamentação da posse e porte de arma de fogo. Cumprindo o seu dever constitucional, o Poder Executivo, dentro dos limites da lei, editou uma norma que torna objetiva a análise, pelas autoridades competentes, dos requisitos necessários para possibilitar ao cidadão de bem utilizar, se assim desejar, esse legítimo instrumento de defesa. Portanto, não há o que questionar em relação à constitucionalidade do ato do presidente da República.

Diante de tantos alardes sobre o assunto, sinto-me no dever, como relator dos projetos que tratam da questão, de tecer alguns esclarecimentos para uma melhor reflexão sobre o tema. O decreto, apesar de polêmico, irá contribuir para a redução da enorme criminalidade que vem amedrontando a população do nosso país nos últimos anos.

Posso afirmar, com veemência, que não há comprovação estatística que estabeleça uma relação direta entre o número de mortes — seja no trânsito, em casa, ou em qualquer outro lugar — em decorrência do uso de armas de fogo pelo cidadão de bem. A Universidade de Harvard, referência mundial em ensino e pesquisa, divulgou estudo comprovando que, quanto mais armas os indivíduos de uma nação têm, menor é a criminalidade. Em outras palavras, há uma robusta correlação positiva entre mais armas e menos crimes.

Ao longo dos últimos 20 anos, as vendas de armas dispararam nos EUA, mas os homicídios relacionados a armas de fogo caíram 39% durante esse mesmo período. Mais ainda: “outros crimes relacionados a armas de fogo” despencaram 69%.

Quase todas as chacinas cometidas por indivíduos desajustados nos Estados Unidos, desde 1950, ocorreram em estados que possuem rígidas leis de controle de armas. No Brasil, ao longo dos últimos 30 anos, incluído o tempo de vigência do Estatuto do Desarmamento — considerado um dos mais rígidos do mundo —, o número de mortes por armas de fogo aumentou 346%. Com quase 60 mil homicídios por ano, o Brasil já é, em números absolutos, o país em que mais se mata.

Em nosso país, os criminosos já possuem livre acesso às armas, vulnerabilizando o cidadão que tem visto seu direito à defesa da vida cerceado. O cidadão de bem armado teme a lei e torna-se uma força aliada da polícia.

Não existe liberdade individual se o indivíduo está proibido de se proteger contra eventuais ataques físicos.

Liberdade e autodefesa são conceitos totalmente indivisíveis. Sem o segundo, não há o primeiro. Preservar o direito de cada indivíduo, que preencha os requisitos da lei, de ter a possibilidade de possuir a arma de fogo é respeitar a Constituição, permitindo que ele possa se defender e defender a sua família. Restringir esse direito, ou até mesmo proibir, é deixar, por exemplo, cidadãos que são mais vulneráveis, seja pela profissão que exercem ou pelo local em que moram, sem nenhuma defesa efetiva contra criminosos violentos. É o caso dos residentes em área rural e dos caminhoneiros. Esses indivíduos ficam isolados em fazendas ou estradas e, caso tenham sua vida, integridade física ou patrimônio ameaçados, não têm como aguardar a chegada da polícia para protegê-los.

Se o governo de um país desarma a população, o que ele realmente está fazendo é diminuir o medo de criminosos de serem enfrentados por cidadãos armados, que cumprem a lei, e aumentando a confiança desses criminosos em saber que suas eventuais vítimas estão desarmadas. Quanto mais totalitário é um governo, maiores são as restrições ao armamento da população civil. Os regimes sanguinários da história foram também os mais eficientes em desarmar as pessoas, pois um povo desarmado é um povo incapaz de reagir contra um governo armado (Flavio Quintela e Bene Barbosa, na obra intitulada “ Mentiram para mim sobre o desarmamento”).

Em um país com números alarmantes de crimes contra a vida, se defender deveria ser o primeiro passo na construção de uma nova sociedade. A defesa, sabemos, é apenas um dos pilares das políticas de Segurança Pública, mas não deixa de ser fundamental. (O Globo – 12/06/2019)

Marcos do Val é senador (Cidadania-ES)

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