A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) votou nesta quarta-feira (12) por conceder uma liminar (decisão provisória) para limitar o alcance do decreto que extingue todos os colegiados ligados à administração pública federal, como conselhos e comitês em que há participação da sociedade civil. A medida está prevista para ser efetivada em 28 de junho.
Ontem (12), nove ministros do Supremo votaram no sentido de que o decreto presidencial não pode extinguir colegiados cuja existência conste em lei. O julgamento foi suspenso, porém, por um pedido de vista (mais tempo de análise) do presidente da Corte, Dias Toffoli, que prometeu retomar a análise do caso na sessão plenária nesta quinta-feira (13).
O plenário encontra-se dividido, entretanto, sobre se o decreto deve ser integralmente suspenso via liminar ou se a medida cautelar deve suspender apenas a parte da norma que trata dos colegiados mencionados em lei.
Até o momento, cinco ministros votaram pela suspensão integral, enquanto quatro votaram pela suspensão apenas parcial, no ponto que se refere aos colegiados cuja existência consta em lei.
A liminar pela suspensão integral do decreto foi pedida pelo PT em uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Para o partido, além de ser uma medida que atenta contra o princípio democrático da participação popular, a extinção dos conselhos federais somente poderia se dar por meio de lei aprovada no Congresso.
Decreto
Editado em 11 de abril pelo governo, o Decreto 9.759/2019 determina a extinção de todos os conselhos, comitês, comissões, grupos e outros tipos de colegiados ligados à administração pública federal que tenham sido criados por decreto ou ato normativo inferior, incluindo aqueles mencionados em lei, caso a respectiva legislação não detalhe as competências e a composição do colegiado.
Segundo informações iniciais do governo, a medida acabaria com cerca de 700 colegiados, embora tais grupos não tenham sido listados. De acordo com levantamento da PGR (Procuradoria-Geral da República), seriam extintos órgãos como o Comitê Gestor da Internet no Brasil e o Conselho Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, por exemplo.
Ficaram de fora da medida somente os conselhos que foram criados por lei específica que detalha suas atribuições e a formação de seus membros, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos, por exemplo.
Entre as justificativas dadas para o decreto está a necessidade de racionalizar a estrutura governamental e economizar recursos, desfazendo órgãos inoperantes e ineficientes. Segundo o governo, a ideia seria recriar posteriormente somente os conselhos e comitês que consigam comprovar a necessidade de existirem.
De acordo com dados apresentados pela Advocacia-Geral da União, foram encaminhados pelos ministérios à Casa Civil pedidos pela permanência de 303 colegiados que têm a participação de membros da sociedade civil.
Votos
Para parte dos ministros do Supremo, o decreto pecou pelo excesso por não especificar quais colegiados seriam extintos, promovendo em vez disso a extinção de todos eles, motivo pelo qual deve ser integralmente suspenso.
“Acho que o presidente não só pode como deve extinguir conselhos desnecessários, onerosos, inoperantes e desnecessários, mas que extinguir todos, inclusive os que têm papel fundamental, para se atingir os que são desnecessários, é medida excessiva”, disse o ministro Luís Roberto Barroso.
Barroso seguiu entendimento inaugurado pelo ministro Edson Fachin, para quem o decreto promove um retrocesso social ao ferir o princípio de participação popular por meio da extinção genérica dos colegiados.
“Ao determinar a extinção de inúmeros colegiados até o 28 de junho corrente, sem indicar com precisão quais, efetivamente, serão atingidos pela medida, não é apenas o desaparecimento de um sem número de órgãos que se trata, mas sim, quiçá, a extinção, em alguma medida, do direito de participação da sociedade no governo, implicando um inequívoco retrocesso em temas de direitos fundamentais”, disse o ministro.
Além de Barroso, acompanharam Fachin as ministras Rosa Weber, Cármen Lúcia e o decano, ministro Celso de Mello, que divergiram do relator, ministro Marco Aurélio Mello, para quem o governo estaria impedido de extinguir somente os colegiados que constem em lei, mas estaria liberado para desfazer aqueles que criados via decreto.
Acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski, para quem seria “engessar a administração” obrigar um presidente eleito a uma estrutura administrativa estabelecida por um antecessor. “Aqueles órgãos que foram criados por decreto e não por lei podem ser extintos por decreto pelo presidente da República”, disse Lewandowski.
O ministro Gilmar Mendes não participou da sessão.
O ministro Ricardo Lewandowski durante sessão na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), para o julgamento de mais um pedido de liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Argumentos
Em sustentação oral, o advogado do PT, Eugênio Aragão, argumentou que o decreto de extinção dos conselhos e outros colegiados não é condizente com o sistema democrático e promove retrocesso social. “Já passamos da fase em que governantes decidem sozinhos os destinos da nação. A participação da sociedade é mecanismo central da democracia participativa”, disse.
Aragão foi apoiado pelo subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, para quem o decreto é excessivamente genérico, colocando em xeque centenas de colegiados que garantem a participação popular no processo de formulação de políticas públicas.
O advogado-geral da União, André Mendonça, por outro lado, defendeu o decreto do governo. Ele negou que a medida queira enfraquecer a participação popular, mas fortalecê-la, uma vez que busca manter apenas os colegiados que de fato funcionam. Ele disse haver “certa, me perdoe a expressão, histeria em relação a isso”.
Mendonça disse haver um número excessivo de colegiados ligados à administração pública, que segundo dados do Ministério da Economia, seriam mais de 2.500. Por isso, o decreto tem como objetivo racionalizar a estrutura governamental. “O cerne da questão é a boa governança pública, a racionalidade administrativa, e o princípio da eficiência, garantindo-se logicamente na essência a participação da sociedade civil”, disse o advogado-geral da União da tribuna. (Agência Brasil)