Maria Cristina Fernandes: O novo normal num governo de excêntrico

O anfitrião sabia que ali estavam dois gaúchos mas não precisou se Nelson Jobim, que indicara ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, além de amigo havia mais de 30 anos, nascera em Santa Maria ou na Cruz Alta de seu parceiro de mesa, o general da reserva Sergio Etchegoyen. Ao nominar este último, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não definiu a função que ocupara no governo Michel Temer, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, pela inexistência da pasta em seu governo, ainda que o GSI tenha substituído a Casa Militar no primeiro ano de seu segundo mandato.

A missão dos ex-ministros naquele auditório lotado do instituto que leva o nome do ex-presidente, era a de explicar se a presença de militares no governo deveria ser considerada um novo normal. A julgar por Etchegoyen, a resposta é sim, ainda que o general tenha recusado todos os convites recebidos para integrar o governo Jair Bolsonaro. Etchegoyen citou todos seus antecessores no GSI, generais mais próximos do presidente da República nos governos a que serviram, (Alberto Cardoso, Jorge Felix, José Elito), antes de perguntar: “Quantos de nós entrou na política?”. Nenhum, ainda que a Presidência hoje seja ocupada por um capitão da reserva. “Ele é mais político que militar”, disse.

O general recebeu bem a criação do Ministério da Defesa por FHC, definido pelo anfitrião como um anteparo político entre as Forças Armadas e o Executivo. Disse, porém, que a instância só viria a funcionar oito anos depois, com Nelson Jobim – “o primeiro ministro da Defesa que tivemos” -, indicado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo. A aproximação, facilitada pela “competência política” de Lula, seria desfeita pela forma como a sucessora, Dilma Rousseff, conduziria a Comissão da Verdade.

“Abriu-se um fosso entre o governo e as Forças Armadas”, resumiu o general que, à época, era chefe do Estado Maior do Exército. O sinal amarelo da institucionalidade, em seu relato, acendeu em dois momentos, na tentativa de decretação de um estado de emergência, às vésperas do impeachment e no tuíte do general Villas Boas, então comandante do Exército, na semana em que o Supremo julgaria o habeas corpus do ex-presidente. Havia inquietações com a corrupção – “É difícil olhar para um comandante supremo e não encontrar nossos valores” – ainda que ele ironize a visão conspiracionista: “Nunca vi bottons de intervenção militar nos quartéis”.

Etchegoyen atribui a ascensão de Bolsonaro a esta conjuntura sem citar a insatisfação da base militar que acabaria por abraçar sua candidatura com a Medida Provisória 2215, decretada no governo Fernando Henrique, a ser revogada, em grande parte, pela proposta de reestruturação da carreira militar enviada pelo atual presidente ao Congresso.

A educada estocada veio por tabela quando, para defender a participação dos militares no Executivo, Etchegoyen citou a presença de diplomatas para além do Itamaraty no governo Fernando Henrique. “E os militares, não podem por que?”. Antes que alguém o lembrasse que a instituição, ao contrário dos itamaratecas, comanda a força do Estado, o general tratou de ponderar: “Fui criado para gerenciar o uso da força, mas só posso fazer isso se tiver valores”.

Foi a deixa para introduzir seu principal argumento em defesa da participação dos militares no governo. Eles devem fazê-lo porque têm quadros. E os têm porque, na inexistência de orçamentos para os grandes projetos, preferiram usar os recursos da defesa para investir nas escolas militares – “Nenhuma instituição será permanente sem cultivar seus valores”. É tão difícil discordar da estratégia de educar para permanecer quanto o é aceitar que um presidente da República, egresso de uma dessas instituições, despreze as evidências da ciência nas propostas de seu governo – da educação às mudanças no Código Brasileiro de Trânsito.

Ao tomar a palavra, Jobim, que havia sido apresentado por FHC como um jovem jurista por ele descoberto na Constituinte, disse que aprendeu, de fato, sobre os militares ao longo dos quatro anos e meio passados como ministro da Defesa nos governos petistas. Historiou as tentativas de se manter os militares afastados da política – de d. Pedro II a Castelo Branco. O primeiro proibiu que militares comandassem as armas na províncias em que haviam nascido. Já Castelo, estabeleceu limite de permanência para os generais, tornou mandatória a ida para a reserva de militares eleitos, além de ter estabelecido quatro anos de domicílio como critério de exigibilidade eleitoral, o que barrou candidaturas numa carreira de contínuas transferências.

Jobim citou a defesa da pátria e da garantia dos poderes constitucionais como atribuições militares permanentes ao longo das Constituições brasileiras antes de pontuar que foi a Carta de 1988 que introduziu o emprego das Forças Armadas na lei e da ordem. “Foi redigido por mim”, acrescentaria FHC.

O ex-ministro convergiu com Etchegoyen ao descartar a participação de militares no governo como indício de ameaça à institucionalidade. Vê os atuais como executivos bem formados e movidos pelo país e não pela retaliação do passado. E aproveitou a deixa para entrar na anormalidade predileta de suas advertências, a hipertrofia do Judiciário. Atual presidente do Conselho de Administração do BTG Pactual, Jobim disse que a segurança jurídica de que o país precisa para o investimento em infraestrutura não pode ser garantido por um judiciário movido pelas luzes do voluntarismo, mas pela lei – “Herói é aquele que não teve tempo de fugir”.

Etchegoyen e Jobim chegaram emparelhados ao fim de suas intervenções. O general disse que o fato de o país, depois de 40 anos da revogação das leis de exceção, querer os militares de volta e saudar um governo fardado, deveria levar os brasileiros a pensar sobre o que foi feito da democracia. Jobim endossou a ideia de um pacto, preservada a agenda de costumes, para evitar que aquele que dela se ocupa se volte para aquilo de que não entende, como a geração de emprego. Custa a parecer normal, porém, que um presidente da República seja mantido numa brinquedoteca dos costumes enquanto os adultos, fardados ou não, se ocupem daquilo que importa.

Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às quintas-feiras – E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

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