William Waak: O poder da caneta

As pessoas que foram às ruas no domingo atendendo a chamado do presidente e as que vão às ruas nesta quinta-feira para  protestar contra o governo deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a Jair Bolsonaro que ele teria  prevalecido num teste de forças que, na verdade, está apenas no começo e no qual a caneta Bic do presidente é  insuficiente para vencer. Começa pelo tal “pacto” dos três Poderes que nem tem como existir (o STF assinando pactos?).

A ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória eleitoral e  “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há  antagonismo” entre eles (os Poderes) – frase que só provocou risadas entre seus pares no mundo real da economia e  finanças. Tudo bem, reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar outra coisa em público, ainda  que fosse para segurar o dólar. “As ruas” – ou o que Bolsonaro entende por isso – teriam também dito ao presidente que  ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam  superaria em caso de necessidade os cochichos dos participantes do nefasto conchavo que o impede de realizar os anseios  do povo.

O problema aqui é o de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro (admita-se, o pior do mundo), que  obriga Executivo e Legislativo a se entender de alguma maneira. Nesse sentido, Bolsonaro está conseguindo o inverso do  que pretende. O Congresso está caminhando até com certa rapidez para fortalecer suas prerrogativas e com pautas próprias  (na área tributária, por exemplo). Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se impressionou menos do  que ele acredita com as manifestações de rua.

Ao contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes sociais como incentivo para reduzir as  prerrogativas do Executivo em dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas provisórias. Ao  aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um  outro dado relevante da realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas, também, a uma série de  pressões políticas, sociais, econômicas e regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma reforma da  Previdência – é o que explica, em parte, o entendimento relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os  presidentes das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com importantes segmentos da atividade  econômica.

As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não há um plano B para a não aprovação de alguma  reforma da Previdência. Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos impostos (nem estamos falando  da carga). Alguma surpresa com o fato, mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta “própria”  de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o  Congresso? Aos cinco meses de governo, está se ampliando a noção de que a formação de uma base coesa e estável de  Bolsonaro no Legislativo não só continua distante, mas, talvez, nunca se concretize.

O presidente não se mostra disposto a liderar nada nesse sentido, e já deixou a própria bancada mais de uma vez na mão.  Confia estar na rota política correta. É a que vai ajudar a diminuir muito o poder da sua caneta. (O Estado de S. Paulo  – 30/05/2019)

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