Naercio Menezes Filho: Financiamento da educação

As polêmicas com relação ao financiamento da educação aumentaram muito nos últimos dias, com o contingenciamento de gastos nas universidades públicas, o corte nas bolsas de pesquisa e o início das discussões sobre o novo Fundeb (fundo de desenvolvimento da educação básica), já que o atual acaba no ano que vem. Afinal, o que deve ser feito com relação ao financiamento da educação? Quais devem ser as prioridades?

Na hora de definir as prioridades nos gastos com educação e saúde, o primeiro critério deveria ser priorizar as áreas que mais contribuem para igualar oportunidades para todos os brasileiros desde o nascimento. Além disso, devemos sempre buscar eficiência nos gastos, ou seja, almejar alto impacto gastando o menos possível, para igualar oportunidades poupando o contribuinte, com maior retorno para a sociedade.

Com relação ao ensino superior, é preciso notar que só recentemente a parcela mais pobre da população teve acesso a esse nível de ensino. Dados históricos mostram que entre 1900 e 1960 menos de 1% da população acima de 25 anos tinha ensino superior completo. Isso ocorreu porque poucas pessoas completavam o ensino médio naquela época, devido à alta repetência entre os mais pobres que vigorava (e ainda vigora) no país e porque havia poucas faculdades. Assim, aqueles que nasceram na década de 60 e têm pais que concluíram o ensino superior (quase todos brancos), tiveram muita sorte na loteria da vida.

Mas as coisas mudaram nas últimas décadas. Entre 1970 e 2000 a parcela da população com ensino superior aumentou para 7%, principalmente devido à desregulamentação do ensino superior privado. E entre 2000 e 2018 ela aumentou mais rapidamente, passando de 7% para 17%, com o crescimento da renda dos mais pobres, o aumento de vagas na rede pública, a criação do Prouni e o Fies. Além disso, as cotas fizeram com que a parcela dos estudantes de escolas públicas e negros aumentasse significativamente nas universidades públicas, o que é muito importante para aumentar a mobilidade entre gerações e servir de referência e incentivo para que outras crianças pobres também se esforcem para ingressar.

Os gastos com educação dobraram nos últimos 15 anos, passando de R$ 170 para R$ 340 bilhões. Mas é importante notar que, enquanto no ensino básico o gasto por aluno triplicou entre 2000 e 2015, no ensino superior o gasto por aluno ficou constante. Assim, o aumento de gastos no ensino superior foi utilizado para aumentar o número de alunos, que dobrou nesse período, passando de 1 para 2 milhões com a abertura de novas universidades. Vale notar que o retorno econômico desse investimento para os alunos mais pobres é elevado, pois a diferença salarial de um curso superior de boa qualidade com relação ao ensino médio é de aproximadamente 200% e eles não podem pagar mensalidades.

Além disso, não é possível cortar os gastos federais anuais com educação sem ferir a Constituição, pois a PEC do teto, ao mesmo tempo que desvinculou os gastos com educação e saúde das receitas da União, impediu uma redução no valor real de despesas nessas áreas. O governo pode contingenciar recursos ao longo do ano ou realocar despesas dentro do orçamento da educação, do ensino superior para o ensino básico por exemplo, mas não pode diminuir os recursos gastos com relação ao ano anterior. Mas será que ele deveria realocar recursos entre as áreas, retirando recursos do ensino superior?

Em primeiro lugar, critérios políticos e ideológicos não podem servir de parâmetro para definir a alocação dos gastos com educação, nem entre níveis de ensino nem entre áreas do conhecimento. As universidades devem ter autonomia para decidir aonde e como alocar seus gastos, desde que sejam transparentes. Além disso, apesar de todos os seus problemas associados ao corporativismo, as universidades públicas cumprem um papel importante na formação de alunos de graduação e pós-graduação, especialmente agora que também estão formando alunos inteligentes mais pobres.

Mais ainda, elas são responsáveis pela maior parte da pesquisa científica no país. Assim, seus recursos atuais, assim como suas bolsas de estudo, devem ser preservados. Mas se quiserem um aporte financeiro maior da sociedade no futuro, elas terão que se reinventar, avaliando a qualidade do ensino e da pesquisa de cada professor e buscando parcerias com setor privado tanto para diversificar suas fontes de financiamento como para aumentar a aplicabilidade das suas pesquisas.

Um dos problemas principais atuais da sociedade brasileira é que, para cumprir a PEC do teto dos gastos num contexto em que há crescimento de gastos com aposentadoria e manutenção de gastos com educação e saúde, as despesas das outras áreas, tais como assistência social, ciência, tecnologia e qualificação do trabalhador terão que cair. Caso a PEC do teto seja mantida, em breve faltarão recursos para programas como o Criança Feliz, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada, que são essenciais para o desenvolvimento infantil e para redução da pobreza. Por isso é essencial aprovar uma reforma da previdência ambiciosa (mas sem alterar as regras do BPC e da aposentadoria rural).

Com relação à educação básica, sua gestão é feita essencialmente pelos Estados e municípios e sua principal fonte de financiamento é o Fundeb. Dado o grande aumento nos gastos por aluno que houve nos últimos 15 anos e a diminuição acelerada do número de alunos que haverá no futuro, a prioridade agora é tornar o Fundeb mais efetivo e mais redistributivo. Para isso, teremos que mudar as regras de distribuição de recursos para diminuir ainda mais a diferença de gastos por aluno entre as redes, priorizar os gastos com creche e pré-escola para as crianças mais pobres e incentivar a busca pela eficiência, transferindo mais recursos para os municípios que implementarem políticas educacionais baseadas em evidências: aumento do número de horas-aula, foco na alfabetização, adesão à base nacional curricular comum, avaliação de aprendizado dos alunos e meritocracia.

Em suma, mesmo num período de grave restrição fiscal como o que estamos passando, os gastos públicos com educação e saúde têm que ser preservados, pois são essenciais para gerar igualdade de oportunidades e aumentar o crescimento econômico no longo prazo. Porém, devemos priorizar os gastos que vão para os mais pobres e buscar sempre mais eficiência na aplicação desses gastos. (Valor Econômico – 17/05/2019)

Naercio Menezes Filho, professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências, escreve mensalmente às sextas-feiras (naercioamf@insper.edu.br)

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