Monica De Bolle: Tá lá o corpo estendido no chão

A reforma da Previdência tem ocupado as páginas dos jornais, o espaço dos colunistas de economia, as discussões nas redes sociais, os blogs especializados, as discussões na TV, essencialmente sugando o oxigênio de qualquer outro tema que deva ser discutido com urgência. A educação brasileira é algo que deve ser discutido com a mesma urgência. Não falo apenas dos cortes arbitrários nas verbas das universidades públicas ou na decisão precoce de eliminar as bolsas de estudos concedidas pela Capes e pelo CNPq. Advirto que sem as bolsas, dezenas de milhares de alunos deixarão de fazer o mestrado ou o doutorado, dezenas de milhares de pesquisadores ficarão sem recursos para seu trabalho acadêmico. No Brasil, o desenvolvimento da pesquisa depende dessas bolsas, ao contrário dos EUA – onde dou aulas e pesquiso – em que há amplo financiamento privado, ou público e privado. Esses temas são de extrema importância, mas nesse artigo quero chamar a atenção para o corpo estendido no chão com o governo fechando a janela para não ver o crime: a educação. Toda a educação no Brasil.

Como deve ser do conhecimento de muitos leitores, há vários indicadores para avaliar a qualidade da educação no País. Tratarei de um deles, o exame Pisa da OCDE aplicado a cada três anos em mais de 70 países abrangendo alunos de 15 anos – ou seja, jovens que estão perto de concluir o ensino fundamental, prestes a entrar na fase que deveria prepará-los para a universidade, o ensino médio.

O último retrato que temos da educação brasileira vem do Pisa de 2015, e a fotografia do corpo estendido no chão é de uma violência chocante. O Pisa de 2015 teve como foco principal a área de ciências, portanto começarei por ela. Os alunos brasileiros obtiveram uma média de 401 pontos em ciências, abaixo do nível 2 da OCDE, faixa que define o mínimo de proficiência. Estar abaixo do nível 2 significa que o aluno não aprendeu a interpretar dados ou a identificar a principal pergunta nas experiências mais simples. De acordo com a OCDE, 40% dos alunos brasileiros avaliados expressaram o desejo de ter uma carreira futura em áreas de ciências, maior do que o interesse médio de apenas 25% demonstrado por alunos de países da OCDE. Contudo, de modo geral os alunos brasileiros não têm o conhecimento mínimo para alcançar o sonho de se tornarem cientistas.

Na avaliação de matemática, 70% dos alunos brasileiros estão abaixo do nível 2. Ou seja, acachapantes 70% dos jovens no ensino fundamental não conseguem usar conhecimentos básicos da matéria para resolver problemas simples. Sem o embasamento mínimo em ciências e matemática, proporção enorme dos alunos brasileiros não estará preparada para os empregos do futuro, cada vez mais influenciados pelas inovações tecnológicas que haverão de influenciar o mercado de trabalho e as vagas disponíveis. Nossos jovens não estão minimamente qualificados para um futuro que chega rapidamente – pensem no drama social e no desperdício inominável que isso significa.

Em leitura, metade dos nossos alunos não consegue alcançar o nível 2 do Pisa. Não alcançar o nível 2 do Pisa equivale a ser um analfabeto funcional. Portanto, vou repetir: metade dos alunos brasileiros avaliados pela OCDE é composta por analfabetos funcionais aos 15 anos, às vésperas de ingressar no ensino médio.

Acham que o problema está concentrado nas faixas de renda mais baixas? Pois não está. O Pisa abre os dados por faixa de renda, e mostra inequivocamente que a educação estraçalhada é problema universal. A elite brasileira, os que estão no topo da distribuição de renda, tem desempenho muito abaixo do aluno mais pobre de Hong Kong, e desempenho mais ou menos equivalente ao do aluno de classe média baixa do Chile. Os filhos da nossa elite não chegam a alcançar o nível 3 da OCDE, enquanto os filhos da elite do México, do Chile, do Uruguai o ultrapassam. Na classificação geral do Pisa, o México está apenas 5 posições acima do Brasil – o Brasil está entre os 10 últimos colocados – o que significa que embora a educação por lá seja ruim, alguns se beneficiam. No Brasil, nem isso. Estamos nivelando todos os nossos jovens por baixo.

“Ah, mas é por isso que devemos cortar as verbas das universidades!”, muitos dizem. Os que dizem esquecem de algo absolutamente fundamental: são as universidades que formarão os professores, os diretores de escola, os secretários de educação, enfim, todos os responsáveis por educar os filhos do Brasil. Está lá um silêncio servindo de amém. (O Estado de S. Paulo – 15/05/2019)

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