Câmara aprova MP da reforma ministerial e transfere Coaf para Economia

Medida Provisória 870/2019 reduziu de 29 para 22 o número de ministérios. Pelo texto aprovado, o Coaf  sai do Ministério da Justiça e Segurança Pública e vai para a pasta da Economia. Dois últimos destaques à MP devem ser analisados pelo plenário da Câmara nesta quinta-feira (23)

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (22), o texto principal da Medida Provisória 870/2019, que reorganiza a estrutura ministerial do Poder Executivo, diminuindo o número de pastas e redistribuindo atribuições. Para concluir a votação, os deputados precisam analisar dois destaques pendentes apresentados ao projeto de lei de conversão da matéria, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Uma nova sessão extraordinária foi marcada para esta quinta-feira (23), às 9 horas.

Na principal votação de hoje, os deputados mudaram a MP original e tiraram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, retornando-o ao Ministério da Economia, órgão ao qual pertencia antes da MP ser editada. Foram 228 votos a favor da mudança contra 210.

A alteração, entretanto, é feita no texto da lei de criação do Coaf (9.613/98), sem a inclusão do órgão na estrutura do Ministério da Economia.

O Coaf foi criado em 1998 e é responsável por investigações relacionadas à lavagem de dinheiro a partir de informações repassadas pelo sistema financeiro sobre movimentações suspeitas de recursos.

Os defensores da transferência para o Ministério da Justiça, sob o comando de Sérgio Moro, argumentaram que isso facilitaria o combate à corrupção. Já os que votaram a favor de sua permanência na área econômica disseram que esse é o padrão adotado em vários países pela proximidade técnica do tema.

O Ministério da Economia assumiu ainda as atribuições dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Trabalho, extintos. Incorporou também as atividades da Previdência Social, que já estavam no antigo Ministério da Fazenda desde o governo anterior.

O projeto de lei de conversão retorna para a pasta econômica as competências sobre registro sindical, política de imigração laboral e cooperativismo e associativismo urbano. Por outro lado, o Ministério da Economia perde para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações a atribuição de definir políticas de desenvolvimento da indústria, do comércio e dos serviços.

Fusão

Um acordo entre os partidos acabou com a polêmica possibilidade de criação de mais um ministério, mantendo o previsto Ministério do Desenvolvimento Regional, criado pela MP para aglutinar as pastas das Cidades e da Integração Nacional.

Política indigenista

Outra mudança feita pela comissão mista na MP e mantida pelo Plenário é a volta do Conselho Nacional de Política Indigenista ao Ministério da Justiça, saindo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Entre as atribuições do conselho estão os direitos dos índios e o acompanhamento das ações de saúde desenvolvidas em prol das comunidades indígenas. Já as situações relacionadas à produção agrícola em terra indígena continuam com o Ministério da Agricultura.

Meio Ambiente

Quanto ao Ministério do Meio Ambiente, ele perde para o Ministério da Agricultura a atribuição de gestão, em âmbito federal, do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), criado pela Lei 11.284/06. Além disso, a sua competência sobre florestas públicas deverá ser exercida em articulação com o Ministério da Agricultura.

Para o Ministério da Integração Nacional, o projeto de lei de conversão direciona a Agência Nacional de Águas (ANA), antes vinculada ao Meio Ambiente.

Também para o Ministério da Integração a pasta perde o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e a atribuição de definir a política para o setor. Em razão disso, ficará com esse ministério a parcela de compensação pelo uso de recursos hídricos devida pelas hidrelétricas que antes cabia ao MMA.

Quanto às políticas e programas ambientais para a Amazônia, o texto faz referência apenas à Amazônia e não mais à Amazônia Legal, que engloba também os estados do Mato Grosso, Tocantins e metade do Maranhão (até o meridiano de 44º), segundo define a Lei 1.806/53. Contudo, continua na estrutura do Ministério do Meio Ambiente o Conselho Nacional da Amazônia Legal.

O relatório do senador Bezerra Coelho retorna à pasta a atribuição de realizar o zoneamento ecológico econômico.

ONGs

Sobre as organizações não governamentais, o projeto de lei de conversão muda a redação da atribuição dada pela MP 870/19 à Secretaria de Governo da Presidência da República.

Em vez de supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das ONGs no território nacional, o órgão deverá “coordenar a interlocução” do governo federal com essas organizações e acompanhar as ações e os resultados da política de parcerias com elas, promovendo “boas práticas para efetivação da legislação aplicável”.

Agricultura

A MP especifica, entre as atribuições do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a de controle de resíduos e contaminantes em alimentos.

Entretanto, o Ministério da Saúde também continua com a atribuição de vigilância em relação aos alimentos, exercida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Destaques pendentes

Os dois destaques pendentes de análise pelo Plenário tratam de atribuições dos auditores-fiscais da Receita Federal e da gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

O destaque do Novo pretende retirar do texto a proibição de os auditores compartilharem com outros órgãos e autoridades indícios de crimes que não sejam relacionados àqueles contra a ordem tributária ou relacionados ao controle aduaneiro.

Já o destaque do PSB quer excluir mudança do projeto de lei de conversão que tira a gestão do FNDCT da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para remetê-la ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Outros pontos aprovados

Veja abaixo outros pontos do projeto de lei de conversão da reforma ministerial.

– em vez de extinguir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, como previsto no texto original, o relatório coloca o conselho no Ministério da Cidadania;

– estabelece ressalva para cargos em comissão e funções de confiança do Ministério das Relações Exteriores para viabilizar a transferência de alguns cargos do ministério para a Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia;

– servidores da administração pública federal poderão ser cedidos a órgãos paraestatais do serviço social autônomo para exercer cargo em comissão, mas isso não contará como tempo de efetivo exercício para fins de progressão e promoção;

– extingue o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado para assessorar o presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas destinadas ao desenvolvimento econômico e social;

– extingue o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit); e

-acaba com a necessidade de sabatina pelo Senado Federal de indicações para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). (Agência Câmara Notícias)

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‘Edição nacional’ dá forma a um ‘novo’ Gramsci

“Edição nacional” dá forma a um “novo” GramsciO século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” em seu tratamento quanto um relativismo interpretativo inconsequente.No campo das ciências sociais, Antonio Gramsci talvez seja o autor italiano mais traduzido no Brasil. Um autor sui generis já que, em vida, nunca publicou um livro e seus escritos foram, por escolha dos seus editores, publicados primeiramente a partir dos grandes temas que se entrecruzavam nos cadernos escritos na prisão, para só depois ganharem uma “edição crítica” que se esmerou em acompanhar a cronologia da escritura gramsciana durante seu encarceramento. Referimo-nos aqui à “edição temática” coordenada por Felice Platone e Palmiro Togliatti, publicada entre 1948 e 1951, e à “edição crítica” dos Cadernos do Cárcere, de 1975, coordenada por Valentino Gerratana.1Atualmente, os Cadernos do Cárcere, somados a textos escritos para jornal, cartas (de Gramsci e dos seus interlocutores) e traduções, compõem o escopo da denominada “Edição nacional”, cujo primeiro volume veio à luz em 2007 e já conta com 9 volumes publicados na Itália. A “Edição nacional”, coordenada pela Fondazione Istituto Gramsci e publicada pelo Istituto della Enciclopedia Italiana – Edizione Treccani –, está projetada em quatro seções, a saber: 1. Scritti (1910-1926); 2. Epistolario (cartas anteriores e posteriores à prisão); 3. Quaderni del carcere (nova edição crítica e integral); 4. Documenti (dedicado à atividade político-partidária).2Com a difusão dos seus escritos, inicialmente, Gramsci foi visto tanto como o “teórico da cultura nacional-popular” quanto um formulador “da revolução nos países avançados do capitalismo”, de cuja obra se extraíram conceitos que o tornaram um pensador assimilado em grande escala. Ao longo de décadas, Gramsci foi utilizado de maneira ampliada e, no mais das vezes, buscou-se, a partir dele, difundir algumas fórmulas desvinculadas do seu contexto de enunciação. Inevitável que tivesse ocorrido tanto um processo de instrumentalização — no PCI, Gramsci assumiu a figura de um formulador ortodoxo e também a de um precursor do “eurocomunismo” — quanto de diluição e empastelamento do seu pensamento, sendo muitas vezes citado por opositores declarados às suas aspirações políticas de emancipação dos subalternos. Por esses descaminhos, diluiu-se a riqueza do seu pensamento, o que parece estar sendo recuperado, como a sua complexa leitura do nacional a partir de um “cosmopolitismo de novo tipo”3 ou sua aspiração por um “comunismo como sinônimo de igualdade e democracia”.4Olhando essa trajetória de recepção e assimilação, pode-se dizer que Gramsci chegou a um patamar de utilização que passou a exigir um novo tratamento, que desmontasse mitos, simplificações e falsificações, e pudesse resgatar Gramsci como uma obra que se confunde com sua vida, contextualizada nos conflitos e transformações daqueles anos febris que marcaram o alvorecer do século XX.Esse espírito marca uma reviravolta nos estudos gramscinos nas últimas décadas que, em primeiro plano, buscou estabelecer uma leitura filológica dos seus textos com o intuito de dar uma compreensão mais refinada dos seus conceitos em compasso com sua escritura, ou seja, capturando o “ritmo do pensamento”.5 Em paralelo, a partir de uma perspectiva analítica centrada na “historização integral”, foi possível pensar, de maneira articulada e contextualizada historicamente, as vicissitudes da sua trajetória pessoal e da sua reflexão teórica, permitindo que se pudesse compreender melhor os dramas individuais e os dilemas políticos daquele prisioneiro especial do fascismo. Muito desse movimento renovador se alicerçou no trabalho desenvolvido pela Fondazione Gramsci de Roma por meio de pesquisas inovadoras, seminários regulares difundidos em publicações coletivas e iniciativas intelectuais que articulavam o diálogo entre estudiosos e pesquisadores dos escritos de Gramsci ao redor do mundo.6Com o trabalho de pesquisa ensejado na propositura da “Edição nacional” e em função das pesquisas desenvolvidas de identificação e reorganização do que Gramsci escreveu, passou a haver um significativo movimento de reavaliação e revigoramento do seu pensamento. Diversas publicações de estudos sobre sua vida e seu pensamento têm vindo a público, particularmente na Itália — mas não só —, que, além de questionarem diversas formas pelas quais Gramsci havia sido assimilado e utilizado, propõem uma revisão de muitas dessas interpretações e sugerem o que vem sendo chamado de um “novo” Gramsci.De acordo com Gianni Francioni e Francesco Giasi, a ênfase dessa caracterização não está no conteúdo, mas no reconhecimento de que “um novo Gramsci ganha forma graças a um complexo trabalho coletivo que conta com a participação de estudiosos de diferentes gerações, com diferentes formações e perfis, com maturações diversas, no campo dos estudos históricos e filosóficos, unidos por pesquisas específicas e continuadas”.7De imediato, esse reconhecimento sugere um questionamento inevitável à equivocada visão de alguns anos atrás de que Gramsci havia deixado de ser lido e estudado na Itália em detrimento do crescimento da investigação sobre Gramsci por parte de pesquisadores não italianos. Outra ideia que deverá ser questionada em breve é a de se supor que a “Edição nacional”, com seus portentosos volumes — que muito dificilmente serão traduzidos em sua totalidade em outros países —, diminuirá a pesquisa sobre Gramsci ao redor do mundo. Sì e no, efetivamente, essa é uma questão em aberto.Em suma, esse “novo Gramsci” obedece mais ao clima do tempo, mais plural e dialogante, do que aquele do status de referencial predominante de um campo político-ideológico, vinculado a um partido, ou então, o seu inverso, como na fabulação de um “outro Gramsci” que se opõe à imagem que, em particular, o PCI, atribuiu a dele. O século XXI parece demandar uma recepção mais complexa e sofisticada de Gramsci e, nesse sentido, dispensa tanto a fórmula “canônica” de tratamento do nosso autor quanto um relativismo interpretativo inconsequente; e repele, mais ainda, a leitura essencialista, antitética e tresloucada promovida pela extrema-direita, à la Olavo de Carvalho8, que deforma tudo e promove somente ignorância.Esse “novo Gramsci”, muito mais fiel à sua trajetória de vida e à complexidade do seu pensamento, permanece convocando seus leitores e estudiosos a se esforçarem no sentido de contribuírem com a discussão dos dilemas políticos da contemporaneidade, notadamente por meio das temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois temas caros a ele e vetores essenciais para o enfrentamento dos desafios deste “mundo grande e terrível”… e “complicado”, que ele já divisara no seu tempo, um século atrás. (Estado da Arte/O Estado de S. Paulo - 09/10/2024 - https://estadodaarte.estadao.com.br/filosofia/edicao-nacional-da-forma-a-um-novo-gramsci/)Notas:1. A “edição temática” foi quase integralmente publicada no Brasil na década de 1960 pela editora Civilização Brasileira. A partir de 1999, tendo como editores Carlos Nelson Coutinho, Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira, a mesma editora publicaria uma versão dos Cadernos do Cárcere que mescla a “edição temática” com a “edição crítica”. ↩︎ 2. Em maio de 2024, foi lançado Scritti 1918, organizado por Leonardo Rapone e Maria Luisa Righi, o último volume até agora publicado da “Edição nacional”. ↩︎ 3. IZZO, Francesca. Il moderno Principe di Gramsci – cosmopolitismo e Stato nacionale nei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, 2021(uma versão em português está no prelo pela Editora da Unicamp & FAP). ↩︎ 4. DESCENDRE, Romain & ZANCARINI, Jean-Claude. L’oeuvre-vie d’Antonio Gramsci. Paris: La Dècouverte, 2023, p. 13. ↩︎ 5. COSPITO, Giuseppe. Il ritmo del pensiero – per una lettura diacronica dei “Quaderni del carcere” di Antonio Gramsci. Napoli:Bibliopolis, 2011. ↩︎ 6. A título ilustrativo podemos mencionar: Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci – 1926/1937 (Contraponto/FAP, 2012); Leonardo Rapone, O jovem Gramsci – cinco anos que parecem séculos – 1914-1919 (Contraponto/FAP, 2014); Aberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques & Giuseppe Vacca (orgs), Gramsci no seu tempo (Contaponto/FAP, 2009; 2ª. ed. 2019); Fabio Frosini & Francesco Giasi (orgs), Egemonia e modernità – Gramsci in Italia e nella cultura Internazionale (Viella, 2019). ↩︎ 7. FRANCIONI, F. & GIASI, F. Un nuovo Gramsci – biografia, temi, interpretazioni. Roma: Viella, 2020, p. 12. ↩︎ 8. OLIVEIRA, Marcus Vinícius Furtado da Silva. “Gramsci no jardim das aflições”. In: Anais do VIII Encontro de pesquisa em história da UFMG. Belo Horizonte: UFMG, 2019. ↩︎

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