MANCHETES
O Globo
Escritório em Jerusalém frustra Israel e gera reação de palestinos
Planalto divulga vídeo que exalta Golpe de 1964
Na contramão do país, taxa de assassinatos cai em 9 estados
Norueguesa ‘Iow cost’ deve ajudar a reduzir tarifas
O Estado de S. Paulo
Governo ainda não aprovou projeto próprio na Câmara
Bolsonaro vai definir dois novos ministros para o TSE
Planalto distribui vídeo em defesa do golpe
Saneamento só deve chegar a todo o País após 2060
Governo federal cancela instalação de radares
Palestina reage a escritório em Jerusalém
Folha de S. Paulo
Reforma garante privilégio para policiais e carcereiros
Brasil frustra Israel e só terá um escritório em Jerusalém
‘Nova política deve aceitar o diálogo entre os Poderes’
Planalto divulga vídeo com elogio à ação dos militares em 64
Contra abuso, farda da PM de São Paulo terá câmera
Suicídio de sobreviventes de massacre assusta EUA
Valor Econômico
Lucro das empresas dobra com cortes e novo cenário
Cresce 15% a aprovação da reforma na Câmara
Reforma deve incluir Estados, defende Zema
Terceirização piora saúde financeira dos municípios
Em sete anos, nonagenários aumentam 50%
Doença mental preocupa empresas
Bancos da Venezuela sem capital
EDITORIAIS
O Globo
Drama argentino está no aumento da pobreza
Inflação corrói a renda e, a cada ano, ajuda a marginalizar mais pessoas no mercado de consumo
Aumentou a pobreza na Argentina. O governo reconheceu crescimento significativo no número de pessoas carentes: um acréscimo de oito pontos percentuais em 2018, elevando-se o total de pobres a 32% da população.
Durante o ano passado, a Argentina incorporou 2,8 milhões de habitantes ao seu contingente de pobres. Na conta oficial, o progresso não foi uma possibilidade real para um de cada três argentinos.
As estatísticas divulgadas pelo instituto Indec, equivalente local do IBGE, mostram aspectos preocupantes. Um deles é o crescimento da quantidade de crianças com até 14 anos de idade nas famílias pobres. Eram 39,7% da população empobrecida no segundo semestre de 2017. Agora são 47%. Estima-se em 5,1 milhões o total de crianças vivendo na pobreza.
Outro dado relevante é sobre a situação dos que sobrevivem na indigência. Foram encontradas 793,5 mil pessoas a mais que no ano anterior com dificuldades para se alimentar, algo paradoxal numa economia baseada na produção e exportação de alimentos.
A Argentina aprofunda sua divisão social desde o colapso dos anos 80, quando a ditadura militar não só quebrou o país como o arrastou a uma derrota na guerra contra o Reino Unido pelas Ilhas Malvinas.
A radiografia do Indec fornece indícios sobre a dimensão do custo social dessa crise que já se prolonga por mais de quatro décadas. É notável que, até agora, as lideranças civis não tenham se unido na construção de uma saída para recuperação da perspectiva de progresso.
Ao contrário, o que se viu foram absurdos como a manipulação das estatísticas oficiais para ocultar o avanço real da pobreza, como ocorreu no período recente sob os governos autoproclamados de esquerda do casal Néstor e Cristina Kirchner.
Restabelecida a confiabilidade dos dados oficiais, na administração de Mauricio Macri, tem-se uma rotina semestral de confirmação dos efeitos corrosivos da persistência do processo de alta inflação (47% no ano passado) e ritmo avassalador (de 2,9% em janeiro para 3,8% em fevereiro). A perda de valor da moeda nacional alimenta esse avanço do processo inflacionário — nos últimos 12 meses, o peso argentino perdeu 100% de seu valor em relação ao dólar.
A pobreza aumentou porque a inflação corrói a renda e, a cada ano, marginaliza um número crescente de argentinos do mercado de consumo de produtos e serviços essenciais à simples sobrevivência.
A única saída para esse impasse devastador está na política. Eleições estão marcadas para outubro, mas elas precisam ser encaradas por sua natureza. Cabe ao governo e à oposição a liderança de um debate nacional sobre as alternativas no pós-urnas. Elas existem, mas dependem de uma decisão da sociedade sobre o resgate do seu futuro.
O Globo
Hospital de referência em ortopedia, Into precisa de um choque de gestão
Estoques de próteses estão quase zerados, e pacientes esperam até dez anos nas filas por cirurgia
O Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) sempre foi considerado uma área de excelência. Não à toa, é procurado por pacientes de todas as regiões do Brasil. Mas, nos últimos anos, esse prontuário auspicioso tem sido contaminado pela corrupção e má gestão. O que tem levado o maior hospital ortopédico do país a frequentar o noticiário mais pelos malfeitos do que por procedimentos de alta complexidade.
Como mostraram reportagens do “Jornal Nacional” e do GLOBO, os estoques de próteses e órteses estão praticamente zerados. Um descalabro, considerando os 12.500 pacientes que estão na fila à espera de cirurgia. Há pessoas que aguardam até dez anos, o que, sob qualquer aspecto, é inconcebível.
Na segunda-feira da semana passada, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal fizeram uma inspeção no hospital, constatando o desabastecimento. O defensor público federal Daniel Macedo chegou a dizer que a situação atual é pior do que a verificada na vistoria anterior, realizada em novembro de 2018.
Embora exista um acordo judicial determinando que o Into realize dez mil cirurgias por ano, ele não vem sendo cumprido —ano passado, foram 7.200.
Segundo a Defensoria, os problemas do instituto não podem ser atribuídos à falta de médicos, mas ao caos administrativo que tomou contado hospital. Há oito meses, o Into está sem diretor-geral. E, no fim de fevereiro, o substituto pediu exoneração, o que agravou o quadro de inércia na instituição.
Na verdade, os desacertos estão intimamente ligados à corrupção na área de saúde. O último diretor do Into, André Loyelo, foi preso pela Operação Ressonância, desdobramento da Fatura Exposta, em 2018.
Investigações mostraram que o esquema de corrupção, que envolvia diretores do hospital, empresas fornecedoras, Secretaria estadual de Saúde e a quadrilha do ex-governador Sérgio Cabral, desviou cerca de R$ 600 milhões, recursos que dariam para comprar mais de 30 mil próteses e órteses.
Esse esquema criminoso que devastou o Into tem mesmo de ser apurado e desmontado, com a punição dos responsáveis —alguns deles, inclusive, já encarcerados. Mas o hospital federal, referência em traumatologia e ortopedia, precisa de um choque de gestão para funcionar. É fundamental repor estoques e retomar procedimentos e cirurgias.
Há que se pensar no drama prolongado das dezenas de milhares de pacientes que aguardam por uma cirurgia. Dez anos numa fila de espera é desumano. Há quem não resista a tanto. Essas pessoas já foram vítimas da roubalheira do dinheiro público. Não podem ser sacrificadas também pela anomia.
O Estado de S. Paulo
O descaramento dos partidos
A Câmara dos Deputados aprovou em plenário o texto-base de um projeto de lei que anistia os partidos políticos de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral e punições impostas pela Receita Federal por infrações fiscais. Os débitos dos diretórios estaduais e municipais de quase todas as legendas com o Fisco chegam a R$ 70 milhões. Anistiar essas sanções aos partidos políticos é nada menos do que aplicar um duplo golpe nos cidadãos. Um partido político é uma organização privada como qualquer outra. Como tal, deveria ser completamente financiado por recursos advindos de contribuições de seus filiados e simpatizantes.
O financiamento público das legendas, seja por meio do Fundo Partidário, seja por meio de uma aberração chamada Fundo Especial de Financiamento de Campanha, já é uma excrescência por si só. A ideia de forçar o contribuinte a custear o funcionamento de partidos com os quais não tem qualquer afinidade é um disparate que há muito deveria ter sido abolido. Como a inexplicável sinecura ainda vige, era de esperar que os partidos, no mínimo, fossem mais zelosos com os recursos públicos que recebem. É estarrecedora, no entanto, a miríade de exemplos de mau emprego desses recursos por dirigentes partidários.
Há escândalos para todos os gostos: desde o pagamento de despesas pessoais de caciques partidários – há caso até de tratamento estético pago com dinheiro público – até o fretamento de jatinhos para os deslocamentos de correligionários, quando poderiam se transportar em aviões de carreira ou em meios menos onerosos. Beira a desfaçatez articular a aprovação de um projeto que, na prática, premia os partidos que descumprem a lei, um inadmissível convite à incúria. Não fosse bastante, o projeto aprovado configura um tratamento privilegiado dado aos partidos em relação às demais entidades privadas do País, que não têm no Congresso o mesmo poder de articulação em torno de seus interesses.
Os débitos fiscais registrados impedem que os diretórios lancem candidaturas nas eleições municipais no ano que vem. Daí os partidos procurarem a saída fácil e indecente da anistia, em vez de fazerem o que qualquer cidadão ou empresa decente faria: regularizar sua situação fiscal e proceder honestamente. Preferem usar o poder de articulação que têm nas Casas Legislativas para criar mais uma desavergonhada regalia. Além da anistia às punições aplicadas pela Receita Federal, o projeto aprovado também livra os partidos políticos das sanções por descumprimento do porcentual mínimo de financiamento de candidaturas femininas em 2018, fixado em 30%.
O texto, que ainda pode ser modificado com a votação de destaques, prevê que as legendas “não poderão ter suas contas rejeitadas ou sofrer qualquer outra penalidade”. Ademais, os atuais dirigentes não sofrerão as consequências jurídicas de atos cometidos pela legenda antes do início de seu mandato, e seus nomes não serão lançados no Cadin, o cadastro de pessoas físicas e jurídicas com pendências pecuniárias com órgãos da administração federal, caso as contas do partido não sejam aprovadas. Para o deputado Paulinho da Força (SD-SP), relator do texto substitutivo, as punições aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “têm sido exageradas”. Vê-se, uma vez mais, que é muito fácil administrar partidos no País: acrescentam-se as vantagens e descartam-se as dificuldades.
Paulinho da Força justificou a aprovação do projeto de lei pela “necessidade de uma nova organização para o financiamento das estruturas partidárias” após o Supremo Tribunal Federal proibir, em boa hora, doações feitas por empresas a partidos e candidatos, em 2015. Ora, a tal “nova organização para financiamento das estruturas partidárias” não deveria ser outra além de uma profunda autocrítica dos partidos sobre sua forma de atuação, de modo a aproximá-los dos cidadãos.
Décadas de dinheiro público fácil e farto acostumaram muito mal os líderes dos partidos, que abriram mão de lutar para estabelecer a conexão com os eleitores e, assim, atrair apoio programático e financeiro para que as legendas funcionem por conta própria. Como isso dá grande trabalho, os caciques optaram por penalizar, uma vez mais, o sofrido contribuinte.
O Estado de S. Paulo
Incompetência e descaso
O progresso científico e seus benefícios para a saúde da população esbarraram na incúria do poder público. Conforme apuração do Estado, 220 tratamentos para a hepatite C perderam a validade antes de chegar aos pacientes. O prejuízo para os cofres públicos é de cerca de R$ 1,8 milhão. Para os doentes que dependem dos remédios, que agora serão incinerados ou jogados no lixo, os danos são incalculáveis. A hepatite C é uma doença grave que acomete em torno de 70 milhões de pessoas no mundo. Por ano, leva à morte 400 mil pessoas em decorrência de cirrose ou câncer hepático, duas das mais severas complicações da infecção viral.
No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, há 700 mil infectados. É possível que haja mais pessoas infectadas, pois a doença é assintomática. Até pouco tempo atrás, a hepatite C era praticamente incurável, já que os medicamentos até então disponíveis eliminavam completamente o vírus em um porcentual bastante baixo de casos em relação ao número total de infectados. Era comum a recidiva após o fim do ciclo de tratamento. Recentemente, uma nova classe de medicamentos, conhecidos como “antivirais de ação direta” (DDA, na sigla em inglês), provocou uma revolução no tratamento da hepatite C.
Altamente eficazes, com poucos efeitos colaterais e ciclos de curta duração (entre 8 e 12 semanas), essas drogas têm a impressionante taxa de sucesso na eliminação do vírus em 90% dos casos. Hoje já é possível falar em cura dessa doença, um dos mais graves problemas de saúde pública no mundo. Há um ano, o governo, por meio do SUS, universalizou o acesso a esses novos tratamentos. A medida foi excelente, tanto do ponto de vista humanitário como sob a ótica da administração pública, já que o desembolso com o tratamento das complicações da hepatite C na rede pública é altíssimo.
A eficácia do tratamento é tal que até 2030 o Ministério da Saúde espera atingir a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de conter os casos de infecção pelo vírus da hepatite C. No entanto, a ser mantida a desorganização da pasta no processo de compra e distribuição das drogas, há poucas chances de sucesso. Os lotes de sofosbuvir, droga que perdeu a validade, foram comprados pelo Ministério da Saúde em 2017. Inexplicavelmente, os medicamentos só foram distribuídos às Secretarias Estaduais da Saúde no final de fevereiro deste ano, pouco mais de um mês antes do fim do prazo de validade.
Sem ter tempo hábil para organizar a distribuição dos medicamentos, muitos Estados tiveram de improvisar e, na correria, pacientes deixaram de ser atendidos. O Ministério não informa o número total de doentes que deixaram de receber o tratamento e tampouco o que pretende fazer com os remédios vencidos. Há técnicos da pasta que falam em “renegociar” os lotes com o laboratório responsável pela fabricação. Seja lá o que pretendam obter na negociação, reposição ou desconto em uma nova compra, é bastante improvável que obtenham êxito, por razões óbvias. Ao que parece, ao contribuinte caberá o prejuízo financeiro.
O Ministério da Saúde alega que a demora na distribuição do sofosbuvir se deve a um “descompasso na compra dos remédios usados no tratamento” da hepatite C. Em muitos casos, o sofosbuvir é administrado em conjunto com outra droga, o daclatasvir, que só foi comprada no final de 2018. Trata- se, pois, de uma injustificável mistura de incompetência, descaso e desumanidade. Ainda recaem suspeitas sobre a higidez das licitações feitas pelo Ministério da Saúde para aquisição das drogas. O diretor do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite, Carlos Varaldo, questionou os valores envolvidos na última compra e pediu apuração do Tribunal de Contas da União.
Ele calcula um prejuízo de cerca de R$ 77 milhões, tendo em vista que o valor pago por cada tratamento – US$ 2.205 – é quase o dobro do que é usualmente cobrado. Impõe-se, pois, uma séria apuração desse lamentável episódio, seja pela saúde dos pacientes, seja pelo respeito ao contribuinte.
O Estado de S. Paulo
O ‘dia D’ que não houve
Três anos após decidir deixar a União Europeia, o Reino Unido amanheceu na sexta-feira passada exatamente no mesmo ponto de onde partiu: sem nenhuma definição
Três anos após decidir deixar a União Europeia (UE) por uma apertada maioria de 51,9% dos eleitores, o Reino Unido amanheceu na sexta-feira passada, data estabelecida para a saída, exatamente no mesmo ponto de onde partiu: sem nenhuma definição. A última cena dessa novela foi a rejeição, pela terceira vez, do acordo costurado pela primeira-ministra Theresa May com a UE para uma saída ordenada. O placar no Parlamento foi de 286 votos a favor e 344 contra a proposta da premiê, a margem mais estreita das três votações até aqui.
Depois das duas derrotas anteriores, Theresa May foi a Bruxelas na tentativa de conseguir uma extensão final do prazo até junho, apostando que, entre nenhum acordo (o pior cenário para todos) e uma prorrogação, a UE optaria pela segunda. Perdeu. Os líderes europeus, desconfiados de sua proposta para romper o nó górdio do Brexit, mandaram-na para casa com um duplo prazo: se aprovasse sua proposta na semana passada, teria até 22 de maio para concluir a saída. Caso contrário, teria até 12 de abril para oferecer uma nova proposta e solicitar uma prorrogação de longo prazo – o que implicaria participar das eleições europeias de maio – ou então sair sem acordo. O recado foi claro: a UE não quer ser responsável por uma saída sem acordo, mas é hora de decidir.
Internamente, ante o Parlamento, a aposta de Theresa May foi a mesma desde que assumiu, em 2016: ou aprovam seu acordo ou não haverá nenhum. O resultado foi uma balcanização partidária, com seu próprio Partido Conservador, assim como o Partido Trabalhista, rachados entre si. Hoje, o Parlamento parece ter absoluta certeza sobre o que não quer – nem a saída sem acordo nem o acordo de Theresa May –, mas não tem qualquer certeza sobre o que realmente quer.
Retorcendo-se numa camisa de força cada vez mais apertada, a Câmara dos Comuns, em 25 de março, votou, pela primeira vez desde 1906, tomar do governo o controle da agenda parlamentar, promovendo “votações indicativas” sobre o Brexit. Foram votadas oito opções, deixadas para essa última hora. Todas rejeitadas, mas as mais próximas de uma aprovação foram a de uma união aduaneira e a de que qualquer acordo aprovado pelo Parlamento deveria ser submetido a um referendo confirmatório. Theresa May, não sendo obrigada a aceitar nenhuma dessas indicações, partiu para uma estratégia de altíssimo risco, oferecendo sacrificar seu cargo se o acordo fosse aprovado. Numa terceira votação, na sexta passada, não o foi.
Assim, a questão colocada pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, após a primeira rejeição do acordo, em janeiro, continua a pesar, mais do que nunca, como uma espada sobre a cabeça do Parlamento: “Se um acordo é impossível, e ninguém quer uma saída sem acordo, quem finalmente terá a coragem de dizer qual é a única solução possível?”.
A pergunta é retórica. A resposta: o povo. Como disse o jornal The Guardian: “Mecanismos constitucionais como referendos permitiriam aos líderes manter seus partidos unidos e prover legitimidade ao que quer que o povo decida. Estes não são negações da democracia, mas seu fortalecimento”.
Por mais que a nostalgia do império e a xenofobia tenham pesado no sufrágio pelo Brexit em 2016, o que pesou realmente foram a renda estagnada, as disparidades regionais e a sensação de abandono por uma parte da população – problemas que têm pouca relação com a União Europeia.
Muitos britânicos que pensavam que houvesse algo de podre no “Reino da Europa” hoje percebem que o problema estava mesmo era no Reino Unido. Se o país foi atirado numa crise porque o Parlamento eleito em 2017 se mostrou incapaz de viabilizar o desejo popular manifestado no plebiscito a favor do Brexit, o melhor é que o povo decida se continua a querer o Brexit ou não, em novo plebiscito. O problema é que a perspectiva mais provável, no momento, é uma desastrosa saída sem acordo, com consequências imprevisíveis – especialmente ao se considerar que a União Europeia é o principal parceiro comercial do país.
Folha de S. Paulo
Talvez em 2020
Incerteza política contribui para queda geral da confiança e abandono de previsões de recuperação mais robusta da renda e do emprego neste ano
Com o desempenho aquém do esperado da economia nos últimos meses, as expectativas de uma retomada robusta do crescimento começam a ser adiadas para o segundo semestre, ou mesmo para 2020.
Passado o primeiro trimestre, os cenários mais otimistas não se confirmaram. Houve recuo na confiança de quase todos os setores. Os dados coletados pela Fundação Getúlio Vargas referentes a indústria, comércio, construção e serviços mostram reversão de quase toda a alta observada no final de 2018, após a eleição.
Embora muitas empresas sinalizem disposição de investir, poucas tomarão riscos antes da votação da reforma da Previdência, tida como fundamental não apenas para o equilíbrio orçamentário mas sobretudo, de imediato, para indicar a capacidade do governo Jair Bolsonaro (PSL) de prosseguir na agenda de mudanças necessárias para alavancar a produtividade.
Por ora, a percepção de inoperância política do governo cobra seu preço, e planos de expansão vão sendo adiados.
Até existem setores em que se nota um maior interesse de investidores, como a infraestrutura. Mostraram-se promissores, nesse sentido, os leilões de aeroportos, terminais portuários e, agora, de um trecho que completará o traçado da Ferrovia Norte-Sul.
Espera-se, da mesma forma, sucesso na cessão onerosa do pré-sal, que pode atrair uma avalanche de recursos. Mas, como é natural nesses casos, os programas têm maturação de longo prazo e os resultados devem ser graduais, com impacto medido em anos, não meses.
Enquanto isso, não há boas notícias no mercado de trabalho. O número de desocupados, após breve redução no ano passado, voltou a superar 13 milhões. Os indicadores mais amplos de subemprego são ainda piores — nada menos que 27,9 milhões de pessoas se encontram em situação considerada de desalento ou precariedade.
Com a inflação abaixo das metas do Banco Central, o quadro seria propício para que os juros, hoje em 6,5% ao ano, caíssem ainda mais e o quanto antes — os obstáculos para tal estão justamente nas incertezas políticas.
A verdade é que nem mesmo a imprescindível mudança nas aposentadorias poderá, sozinha, tirar o país do atoleiro. A superação do ciclo recessivo que durou de 2014 a 2016, a mais lenta da história, permanece sem uma trilha segura.
O esgotamento das finanças do governo impede a mobilização de recursos públicos para investimentos. O setor privado terá de se reinventar em um mundo que passa por acelerada transformação.
Boa parte dos empregos destruídos nos últimos anos dificilmente voltará. Outros precisarão surgir.
Folha de S. Paulo
Preservar o Samu
A Prefeitura de São Paulo anunciou que vai promover nas próximas semanas a reorganização do Samu, o serviço de ambulâncias de emergência. À primeira vista, as mudanças a serem implementadas inspiram certa preocupação.
A principal delas será o fechamento de 31 bases espraiadas pelo município, as quais funcionam em contêineres alugados. Com a perda dos locais, as equipes passarão a ocupar salas em postos de saúde, unidades de assistência ambulatorial, hospitais e centros de atendimento psicossocial.
Serviço essencial e depositário da confiança da população, o Samu vem acumulando problemas. Hoje, o tempo médio de atendimento para casos com risco de morte é de 30 minutos. As normas internacionais, porém, preconizam que esse intervalo seja de 12 minutos.
Ademais, metade das chamadas que se tornam ocorrências, descartados os trotes e as ligações duplicadas, não é atendida.
Diante desse quadro, o poder público deveria ter como objetivo tornar o serviço mais eficiente e célere. Não parece claro, no entanto, que as medidas anunciadas pela gestão Bruno Covas (PSDB) vão ser capazes disso.
De acordo com a prefeitura, a iniciativa levará a um aumento da quantidade de postos do Samu, dos atuais 58 para 78.
Tal expansão, no entanto, não necessariamente proporcionará atendimento mais rápido. A localização das unidades, numa metrópole como São Paulo, tem peso considerável nessa equação. Não à toa, as bases atuais estão instaladas em pontos estratégicos da cidade, próximos a locais de maior incidência de chamadas.
Com a reorganização, o extremo da zona sul, por exemplo, não mais contará com um posto do Samu. Na via oposta, áreas com baixa densidade populacional, como Barra Funda e Socorro, passarão a dispor de duas bases contíguas.
Outro aspecto relevante na discussão diz respeito às novas condições oferecidas. Alguns dos locais cedidos ao Samu não possuem estrutura adequada para a higienização de ambulâncias, materiais e uniformes após as ocorrências, nas quais não raro ocorre derramamento de sangue.
De 2013 a 2018, os repasses da prefeitura para o serviço, mantido também pelos governos estadual e federal, caíram pela metade, passando de R$ 146 milhões, em valores corrigidos, para R$ 65 milhões.
Não há dúvida de que o poder público precisa se ajustar à realidade orçamentária. Mas, no caso de um serviço vital como o Samu, a prefeitura paulistana deve assegurar que no mínimo seja preservada a qualidade do atendimento.