Nilson Teixeira: Diluição da reforma traz riscos

A aprovação da reforma da Previdência Social é indispensável para evitar um colapso fiscal. Não há outra conclusão possível, a menos que se tenha certeza de que o Brasil crescerá a um ritmo forte por um período prolongado. Como esse cenário não é crível, será necessário restringir a expansão dos gastos previdenciários e elevar as receitas para o sistema.

Mesmo sendo ambiciosa, a proposta encaminhada ao Congresso não reduz o déficit previdenciário anual como percentual do PIB. Isso embute um risco expressivo, haja vista que várias medidas serão flexibilizadas por parte dos parlamentares nos próximos meses. Entre as propostas passíveis de alteração, encontram-se:

1- diluição quase integral das alterações relativas ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que será responsável por cerca de 10% do déficit do governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) em 2019;

Transição mais lenta do aumento da idade mínima para aposentadoria é a mudança que mais atinge a economia prevista

2- afrouxamento expressivo das medidas referentes à concessão de aposentadoria rural, em especial no que se refere ao tempo de contribuição para o sistema e à idade mínima para aposentadoria;

3 – transição mais suave para a aposentadoria dos atuais contribuintes do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que atende os empregados do setor privado e por conta própria, em particular na questão da idade mínima para aposentadoria e do cálculo do benefício;

4 – regras mais benéficas para os pensionistas, principalmente ao determinar o valor do benefício;

5- redução do aumento proposto para a taxa de contribuição previdenciária no âmbito do RGPS, com diminuição da alíquota sobre os salários mais elevados e possível aumento do intervalo para cada faixa de contribuição;

6 – transição mais lenta dos critérios propostos para aposentadoria dos participantes ingressos após 2003 no Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), que atende funcionários do serviço público federal, com o número mínimo de anos de exercício de cargo público crescendo de forma gradual até alcançar 20 anos;

7- alteração dos requisitos mínimos para obtenção dos benefícios de paridade e integralidade pelos participantes ingressos antes de 2003 no RPPS, com a introdução de uma transição que permita a aposentadoria antes da idade de 62/65 anos (mulher/homem) para esses funcionários públicos;

8- incorporação de outras categorias de servidores públicos nas condições especiais propostas para o magistério, como as da Polícia Federal e polícia penitenciária;

9- redução do aumento proposto para a taxa de contribuição previdenciária incidente sobre os salários mais altos do RPPS;

10- atenuação das regras propostas para concessão de abono salarial – o Instituto Fiscal Independente estimou a economia em 10 anos gerada pela proposta do governo em R$ 150 bilhões; e

11- alteração da maioria dos dispositivos sobre a introdução do regime de capitalização.

A participação do ministro da Economia na reunião da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados confirmou mais uma vez a falta de apoio do governo no legislativo. Embora possa não ter sido intencional, os líderes dos principais partidos de centro (e.g., PP, PR, PSD, MDB, PRB, PSDB, DEM e PTB) comprovaram que o governo precisará do seu apoio, caso pretenda aprovar a reforma da forma menos descaracterizada possível.

A desarticulação do governo já sacramentou a rejeição a algumas medidas, como as mudanças relativas ao BPC e à aposentadoria rural. O governo dificilmente conseguirá reverter essa derrota. Nesse ambiente, o governo precisa evitar, ao menos, a diluição da sua proposta já na CCJ. Se a comissão considerar inconstitucional algumas dessas medidas, aumentará bastante a probabilidade de maior diluição da proposta durante sua tramitação na Comissão Especial e no plenário.

O cenário mais provável hoje é o da flexibilização da maioria das propostas, o que reduzirá a economia com a reforma. A transição mais lenta do aumento da idade mínima para aposentadoria é a modificação que mais afetaria essa economia. Portanto, os representantes do governo tendem a aceitar a diluição de quase todas as medidas para evitar alterações mais substanciais das regras relativas à idade mínima. A discussão dessas flexibilizações, em particular as que tratam dos servidores civis e militares, pode enfraquecer o apoio da sociedade e, consequentemente, dos parlamentares, à medida que as votações no Congresso se aproximem e os grupos de interesse e políticos da oposição passem a atuar mais fortemente.

Cientes desses riscos, os participantes de mercado já assumem que a economia em 10 anos proveniente da reforma será bem inferior ao R$ 1,1 trilhão previsto pelo governo, com estimativas próximas a R$ 0,6 trilhão. Assim, as diluições da proposta do governo apenas atenuarão o ritmo de aumento do déficit previdenciário como percentual do PIB nos próximos anos. A redução desse efeito exigirá que o tema seja revisitado na próxima década, para garantir uma estabilidade do déficit como proporção do PIB.

As estimativas de economia, ainda por cima, são pouco robustas e dependem quase que exclusivamente das informações disponíveis para o RGPS. Os poucos dados existentes sobre o RPPS não permitem a elaboração de previsões confiáveis sobre a dinâmica das receitas e, principalmente, dos gastos previdenciários. Portanto, é possível que essa economia seja ainda menor do que o estimado.

Nesse ambiente de incerteza sobre a profundidade da reforma da Previdência Social, é difícil justificar a expectativa de muitos de que a sua aprovação elevará o crescimento econômico dos próximos anos de forma expressiva. Fora o desejo de todos nós de que o País cresça mais, não há nenhum indício de que a simples redução do ritmo de deterioração fiscal será capaz de estimular a economia significativamente. Embora crucial, a aprovação de uma reforma o menos diluída possível é apenas um pequeno passo no longo caminho para o Brasil se tornar, um dia, quem sabe, um país desenvolvido. (Valor Econômico – 10/04/2019)

Nilson Teixeira, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, escreve quinzenalmente neste espaço

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