Luiz Carlos Azedo: Uma casca de banana

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

O presidente Jair Bolsonaro visitou ontem o Muro das Lamentações, em Jerusalém, ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. No local sagrado, orou e depositou um pedido entre as pedras, um ritual de muito simbolismo para os judeus. O que mais irritou os palestinos e os países árabes, porém, não foi o gesto religioso, mas o anúncio da instalação de um escritório comercial em Jerusalém, que muda a política externa brasileira no Oriente Médio.

A reação foi imediata: o embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben, classificou o anúncio como um “passo desnecessário” e revelou que, há 10 dias, todos os embaixadores de países árabes solicitaram uma audiência com Bolsonaro, mas até hoje não obtiveram resposta. O Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, em nota, anunciou que “entrará em contato com o embaixador da Palestina no Brasil para consultas, a fim de tomar as decisões apropriadas para enfrentar tal situação”, ou seja, convocou seu embaixador, o que é uma forma de protesto.

No antigo Mughrabi Quarter (Quarteirão Marroquino), após a ocupação israelense, 135 famílias árabes foram removidas para a abertura da esplanada do Muro das Lamentações, local sagrado para os judeus, por ser o último pedaço do antigo Templo de Herodes, que foi destruído pelos romanos. Do outro lado do Muro, fica a Mesquita de Al-Aqsar, na parte sul do Haram al-Sharif (o “Nobre Santuário”), terceiro local mais sagrado para o Islã depois de Meca e Medina. A maior mesquita de Jerusalém tem capacidade para receber cerca de cinco mil fiéis. O status diplomático de Jerusalém é um assunto muito controverso na ONU.

O Brasil sempre teve uma presença equilibrada no Oriente Médio, devido ao papel do chanceler Osvaldo Aranha na criação de Israel e às boas relações com os países árabes. Desde 2006, por exemplo, com 250 homens, a Marinha brasileira é responsável pelo navio capitânia da Força-Tarefa Marítima da ONU no Líbano (FTM-UNIFIL), criada pelo Conselho de Segurança, para evitar contrabando de armas e treinar a Marinha libanesa. No mês passado, a fragata “União” substituiu a fragata “Liberal”, que regressou ao Brasil após 22 patrulhas em 89 dias na costa libanesa. A força é formada por navios da Alemanha, Bangladesh, Brasil, Grécia, Indonésia e Turquia, além de dois helicópteros, sob comando do contra-almirante brasileiro Eduardo Augusto Wieland.

Bolsonaro acredita que a abertura do escritório em Jerusalém é uma saída para o impasse criado com os países árabes, após ter manifestado publicamente, após ser eleito, a intenção de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, a exemplo do que fez o presidente norte-americano Donald Trump. Ao contrário, sinaliza o futuro reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, e também a intenção de transferir a embaixada. Os ministros da Fazenda, Paulo Guedes, e da Agricultura, Tereza Cristina, com apoio dos generais que assessoram Bolsonaro, conseguiram convencer Bolsonaro a adiar a transferência da embaixada, temendo retaliações comerciais dos países árabes, grandes consumidores de carne bovina e de frango.

Impasse

“É direito deles reclamar”, minimizou Bolsonaro. “A gente não quer ofender ninguém. Agora, queremos que respeitem a nossa autonomia”, completou. Entretanto, deixou no ar a intenção de transferir a embaixada: “Tem o compromisso, mas meu mandato vai até 2022.E tem que fazer as coisas devagar, com calma, sem problema. Estou tendo contato com o público também de outras nações e o que eu quero é que seja respeitada a autonomia de Israel, obviamente”.

Jerusalém é um beco sem saída para o conflito árabe-israelense. Nem judeus nem palestinos aceitam um acordo que garanta um status binacional para Jerusalém, simplesmente porque Israel não aceita a existência do Estado Palestino e os palestinos não reconhecem Israel. Com a ocupação dos territórios árabes, todas as negociações de paz entre judeus e palestinos fracassaram. O que vigora é um cessar-fogo violado sistematicamente pelos dois lados.

A política de ampliação e consolidação de assentamentos nos territórios árabes ocupados por Israel de Benjamin Netanyahu torna cada vez mais difícil um acordo com a Autoridade Palestina e fortalece o Hamas, na Faixa de Gaza. Como Israel se define como um Estado judeu, a população palestina de Jerusalém Oriental e demais territórios ocupados precisa ser contrabalançada pelos colonos, que já representam mais de 10% do eleitorado israelense. A existência de um Estado multiétnico é inimaginável, uma contradição da democracia em Israel.

O mais grave, porém, é o fato de que o conflito na região é alimentado pelos Estados Unidos e os países árabes, com apoio da Rússia e da China. Sem uma mudança de postura dessas potências, não há acordo possível, até porque a forte presença de ex-militares e ex-guerrilheiros na política de Israel e da Palestina, respectivamente, dificulta ainda mais as negociações. São políticos que se fortalecem com a guerra. O Brasil mantinha distância regulamentar de tudo isso, até o presidente Bolsonaro escorregar nessa casca de banana. (Correio Braziliense – 02/04/2019)

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