William Waack: O irreversível

País fica inviável se não for superado o profundo choque Lula-Bolsonaro

Confirmou-se no domingo que Lula é maior que a esquerda e Bolsonaro, menor que a direita. Tanto nas eleições proporcionais quanto nas diretas o avanço de nomes ligados à “esquerda” foi menor do que Lula conseguiu para si mesmo. Da mesma maneira, Bolsonaro ficou menor no primeiro turno do que a projeção alcançada pela “centro-direita”.

Claro que isso tem a ver diretamente com os dois personagens. Lula continua sendo para uma expressiva camada do eleitorado o “pai dos pobres” – algo só comparável ao que foi o getulismo, e igualmente irreversível como fenômeno de massas.

Bolsonaro é considerado um “mito” por outro fenômeno também irreversível, o bolsonarismo. Ocorre que dentro da demanda geral do eleitorado, que é claramente de centro-direita, Bolsonaro não é unanimidade e angariou forte rejeição mesmo entre os que detestam Lula.

Caso se confirme seu favoritismo atual, Lula terá de lidar com dois amplos problemas políticos que, se não forem resolvidos, tornam o País inviável. O primeiro é a herança da Lava Jato. Ao contrário do que diz Lula, parcela significativa do eleitorado não acha que a operação anticorrupção foi um erro, e o enxerga apenas como um ladrão.

O segundo é a amplitude eleitoral da demanda de “centro-direita”, que não pode ser igualada a “bolsonarismo” (entendido como adesão cega ao líder populista). Mas é o que fez a estratégia petista quando buscou o voto útil dizendo que ajuda o fascismo e a barbárie quem não vota no Lula. O Congresso eleito é um banho de realidade (e uma dura resposta) para a campanha petista.

É uma espécie de “Brasil profundo” que saiu rugindo das urnas, e que dificilmente se enquadra nas convenções da Ciência Política sobre o que seja direita ou esquerda. Talvez a antropologia cultural seja a melhor disciplina para se tentar entender. Há nessa ampla corrente traços de arraigada boçalidade política (incluindo todo tipo de preconceito), aversão às elites e à ciência, aos princípios democráticos e instituições em geral (Judiciário e imprensa, entre outros).

Mas também apego à liberdade do indivíduo, disposição de empreender, necessidade de segurança jurídica, simplificação de regras, solidariedade com os mais vulneráveis, valores religiosos e de família. E uma forte identificação com a difusa ideia (que a figura de Bolsonaro capturou lá atrás) de que os sistemas político, eleitoral e de governo atuam contra o Brasil “que trabalha e produz”.

Lula não indicou claramente como pretende superar o quadro acima caso volte ao Planalto. Bolsonaro, se reeleito, não poderá contar com o apelo que já representou. Não serão tempos fáceis. (O Estado de S. Paulo – 06/10/2022)

William Waack, jornalista e apresentador do programa WW, da CNN

Leia também

Lula não tem empatia com o centro conservador

NAS ENTRELINHASExiste um problema de desempenho nos ministérios, mas...

Vamos valorizar a sociedade civil

Os recentes cortes promovidos pelo Governo Federal, atingindo em...

A ponte Krenak

Com Ailton Krenak, a Academia Brasileira de Letras recebe...

Petrobrás na contramão do futuro do planeta

Na contramão do compromisso firmado pelo Brasil na COP...

19 Anos sem Karol Wojtyla: Recordando o Legado de João Paulo II

A jornada rumo ao sacerdócio e, eventualmente, ao cargo...

Informativo

Receba as notícias do Cidadania no seu celular!