Luiz Carlos Azedo: A guerra ideológica no Enem mira a reeleição de Bolsonaro

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Um dos momentos de maior angústia nas vidas dos nossos jovens é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que funciona como uma espécie de portal para a vida adulta, porque seus desempenhos serão determinantes para o acesso ao ensino superior. Hoje, 3,1 milhões de jovens em todo o país prestarão a primeira prova do Enem, em meio a uma guerra ideológica aberta por pressão do presidente Jair Bolsonaro sobre os técnicos do órgão responsável pela elaboração das provas, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para que as provas fossem politicamente alinhadas com a suas ideias sobre os costumes e a história. Detalhe: é o menor número de inscritos desde 2005.

O exame ocorre em meio ao caos na instituição, porque 37 técnicos do órgão pediram demissão e denunciaram a interferência indevida do ministro da Educação, Milton Ribeiro, na elaboração das provas. Ex-reitor da Universidade Mackenzie, de São Paulo, pastor presbiteriano, advogado e teólogo, seu prestígio junto ao presidente Jair Bolsonaro foi à Lua graças à confusão que arrumou. O diretor nomeado por ele para o Inep, Danilo Dupas Ribeiro, é acusado de assédio moral e manipulação das provas, com censura a determinadas questões. Há denúncias de tentativa de nomeações indevidas para cargos e funções no órgão, com pessoal não qualificado, inclusive policiais federais.

Tudo isso fez com que Bolsonaro comemorasse a crise quando estava em viagem no Oriente Médio: “Agora o Enem tem a cara do meu governo”. Naturalmente, a oposição foi para cima do ministro da Educação no Congresso, mas isso somente o fortaleceu junto àquele que o nomeou. Uma das características do governo Bolsonaro é o seu reacionarismo cultural, associado a ideias políticas autoritárias, que idealizam o passado relativamente recente, principalmente o “regime militar”, expressão que o presidente da República gostaria que fosse substituída por “revolução”.

Eleito com uma agenda regressiva, Bolsonaro não conseguiu implementá-la integralmente no Congresso, seja porque não teve apoio parlamentar suficiente, seja por causa do papel constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa do Estado Democrático de Direito. Entretanto, nos ministérios, essa agenda avançou até onde foi possível, com consequências que hoje respondem por muitos fracassos no seu governo. Há, de fato, uma estratégia bem-sucedida de desmonte de políticas públicas construídas ao longo de décadas. Seu fracasso está em não conseguir implementar nada no lugar, devido à resistência de técnicos e gestores públicos de carreira.

Hegemonia cultural

Na área da cultura, a estratégia foi implementada de forma radical. Quanto mais estapafúrdio, histriônico e reacionário o sujeito, mais prestigiado fica com o presidente da República. Se espinafrar jornalistas e a imprensa, então, nem se fala. Por isso, quem imagina a demissão do presidente do Inep ou do ministro da Educação, pode desistir. Apesar das denúncias de que órgão vive uma “crise sem precedentes, com perseguição aos servidores, assédio moral, uso político-ideológico da instituição pelo MEC, e falta de comando técnico no planejamento dos seus principais exames, avaliações e censos”. A guerra ideológica contra o chamado “marxismo cultural” é música para Bolsonaro, porque mobiliza sua base conservadora e evangélica.

Olavo de Carvalho, o ideólogo bolsonarista que se mandou do país na semana passada, temendo ser preso, fez a cabeça do presidente quanto à necessidade de erradicar as ideias progressistas da educação, o que vem sendo um fator de crise nessa área desde o começo do governo. Seu livro O mínimo que você precisa saber para não se tornar um idiota (Record) é a segunda bíblia de milhares de pastores evangélicos, que lutam contra um inimigo imaginário cujos objetivos seriam destruir a família e corromper a juventude.

Professores da rede pública e privada são vistos como ameaça por adotarem uma suposta “pedagogia comunista”, cujo símbolo seria o educador Paulo Freire. Olavo faz uma interpretação distorcida do conceito de “hegemonia”, de Antônio Gramsci, descrito nos Cadernos do Cárcere (Civilização Brasileira), escrito na prisão, de 1926 a 1937, durante o regime fascista de Benito Mussolini. Grosso modo, segundo o pensador marxista italiano, no Ocidente o poder político não depende apenas da força do Estado, mas também da cultura social, ou seja, do consentimento da sociedade civil. Nesse aspecto, a construção da “hegemonia” dar-se-ia também no âmbito de instituições como a igreja e o sistema de ensino. (Correio Braziliense – 21/11/2021)

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