Marcus André Melo: Groko à brasileira: as regras eleitorais importam?

As regras não apenas importam: são decisivas

O UK IP obteve em 2015 12,6% dos votos, mas conquistou apenas uma única cadeira (ou 0,15% do total de 650) no parlamento britânico. No entanto, nas eleições para o parlamento europeu, no mesmo ano, ele foi o partido mais votado, o que lhe garantiu 24 cadeiras e a maior bancada.

Quatro anos mais tarde, o partido mudou o nome —para Brexit Party—, mas sequer obteve uma cadeira. Nas eleições para o parlamento europeu, no mesmo ano, obteve ainda mais votos —31% do total— aumentando o tamanho da bancada para 29: sete vezes o número de cadeiras (4) do Partido Conservador, da então primeira ministra Theresa May.

Mesmo país, mesmo ano: o maior partido em uma assembleia (o parlamento europeu) era o menor ou inexistia em outra (o parlamento nacional).

O sistema majoritário é a principal barreira à entrada para partidos pequenos como o Brexit Party. As regras não apenas importam: são decisivas. O caso britânico exemplifica à perfeição o efeito, em um só país, dos dois sistemas eleitorais mais conhecidos, o majoritário e a representação proporcional (RP).

Há um modelo híbrido que combina os dois sistemas. Inventado na Alemanha, em 1949, à luz da experiência desastrosa da adoção da RP no país durante a República de Weimar, o modelo foi adotado em apenas uma dúzia de democracias (ex. Nova Zelândia) ou está prestes a sê-lo (ex. Costa Rica); o próprio Reino Unido passou a adotá-lo no País de Gales, Escócia e Londres.

Não há sistema perfeito: mesmo na Alemanha um partido com cerca de 10% dos votos —o FDP— vem cumprindo em diversas conjunturas o papel de “kingmaker”: dele depende quem será o governo. O sistema estimula também as chamadas GroKo (Grosse Koalition [grande coalizão] na qual os grandes partidos rivais, o SPD e a CSU/CDU governam juntos. Já ocorreu três vezes: diminuindo a clareza de responsabilidade e estimulando críticas antissistema.

O problema do Brasil é o oposto daquele do Reino Unido: nossa patologia é a hiper-representatividade. Uma hiper-representatividade perversa, rentista. Criam-se partidos para capturar rendas públicas. Por sua vez, as coalizões governativas são hiperdimensionadas e corruptas.

Em 2017, demos um passo importante para reduzi-la ao proibir coligações e introduzir cláusulas de desempenho. Pulamos agora a fogueira ao manter a proibição, mas abrimos o flanco com a aprovação da proposta de federação de partidos. O saldo líquido nesta seara é positivo. Entretanto, muitas alterações aprovadas criam ainda mais espaço para o rentismo e, mais importante, para a impunidade e irresponsabilização. (Folha de S. Paulo – 04/10/2021)

Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)

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