Míriam Leitão: Argentina volta aos peronistas

Quando o presidente Maurício Macri tomou posse, em dezembro de 2015, um dólar valia 9,74 pesos. Ele deixará o governo com uma taxa próxima de 60 pesos. A moeda americana teve uma valorização de 500% nesse período. Para um país no qual o dólar sempre foi a grande referência econômica, é uma medida do fracasso. É bem verdade que parte da alta ocorreu agora, desde as primárias, indicando a volta do peronismo, quando subiu de 45 para 60. Ontem, a primeira medida do BC foi apertar mais o câmbio.

O eleitor argentino escolheu trazer os peronistas de volta, uma vez mais, mas ao mesmo tempo deu um sinal à direita de que ela pode continuar no jogo político. Na economia, o presidente eleito, Alberto Fernández, terá que imediatamente sair da ambiguidade que conseguiu manter durante a campanha. Os argentinos deram a ele a Presidência sem saber qual era seu plano econômico, nem quem ele nomearia para os cargos-chave da área. Ontem, o presidente eleito escolheu quatro pessoas para tratar da transição, nenhum deles é economista. A crise não deixará muita margem para esperar: o país está com uma inflação de mais de 50%, um acordo com o FMI em compasso de espera e falta de dólares em reservas. A forte desvalorização após as primárias certamente pressionará a inflação nesta curta transição.

Não foi a lavada que se prenunciava, após as primárias, mas o peronismo-kirchnerista teve uma vitória robusta. Ganhou não só no primeiro turno como venceu com Axel Kicillof na província de Buenos Aires, derrotando a governadora em exercício, María Eugenia Vidal, que é muito ligada a Maurício Macri. Por outro lado, o resultado das urnas reduziu a distância entre vencedor e vencido, e o Cambiemos, de Maurício Macri, terá uma bancada importante na Câmara e no Senado para fazer oposição.

Tudo é volátil na democracia, por isso mesmo o vencedor tem que se manter atento. Há quatro anos, a derrota do kirchnerismo aconteceu com requintes de complicações. O país estava em crise econômica, a inflação subindo e com o índice manipulado, os preços da energia mantidos artificialmente, o país com baixa reserva cambial. O peronismo estava dividido em várias correntes. O movimento sindical também estava dividido entre o apoio ou não ao kirchnerismo. A ex-presidente Cristina Kirchner começava a enfrentar investigações de corrupção.

O presidente Maurício Macri prometeu mudar a economia do país, corrigir os artificialismos, o populismo, combater a inflação, resolver os problemas com reformas liberais. Quando assumiu, afirmou que estava começando a mudar a Argentina “para sempre”. Foi visto como arrogante. E estava sendo mesmo. Ele agravou a crise e agora, quatro anos depois, passará o governo de volta aos peronistas. Ontem, um humilde e educado Macri recebeu para o café da manhã o presidente eleito Alberto Fernández e declarou: “Nunca pensei que fosse terminar líder da oposição.”

De Fernández, pode-se dizer tudo menos que não seja surpreendente. Num país em que não é comum a troca de lado, ele trabalhou na administração de Raúl Alfonsín, no governo de Carlos Menem, foi chefe de gabinete de Néstor Kirchner, depois de Cristina Kirchner, brigou, se afastou do kirchnerismo e agora comanda a sua volta ao poder.

A grande questão agora é que tipo de condução econômica os peronistas vão oferecer ao país. Com cofres exauridos, reservas esgotadas, um acordo com o FMI em suspenso e em recessão, não há espaço para medidas populistas. Além disso, haverá sem dúvida tensão entre o presidente e sua vice, Cristina Kirchner Fernández. Em comum os dois têm apenas o nome. Alberto Fernández tem que consolidar sua liderança, mas sua vice mostrou um grande vigor eleitoral e dificilmente aceitará um papel apagado.

O Brasil deu ontem vários sinais de animosidade política. Da declaração do presidente Bolsonaro de que não iria cumprimentar o eleito porque “os argentinos escolheram mal”, até o chanceler Ernesto Araújo, que afirmou: “As forças do mal estão celebrando”. Brasil e Argentina já enfrentaram muitas dissonâncias e aprenderam a conviver com elas. A queda do comércio entre os dois países aprofundará a crise dos dois lados da fronteira. (O Globo – 29/10/2019)

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

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