Arnaldo Jordy: Altamira, o nosso Carandiru

Mais uma vez, o Pará está nas manchetes dos jornais do Brasil e do mundo de forma negativa, depois do segundo pior massacre em presídios brasileiros – só perde para o do Carandiru, em São Paulo, com 111 mortos -, na segunda-feira, 58 detentos foram trucidados por membros de facções rivais em um banho de sangue no Centro de Recuperação Regional de Altamira, e quando autoridades diziam que tudo estava resolvido, no dia seguinte, outros quatro foram assassinados durante a transferência de Altamira para Belém, dentro de um caminhão da Susipe, somando 62 mortos na rebelião.

O massacre expõe as entranhas do sistema penal brasileiro, cujas unidades são dominadas, da porta para dentro, por facções do crime que disputam territórios e rotas para o tráfico. É de conhecimento das autoridades que a facção Comando Classe A, ligada ao PCC, responsável pelos ataques, tem bases fortes em Manaus e Altamira, que disputam de forma sangrenta com o Comando Vermelho as rotas da cocaína que entra no Brasil ou que passa por aqui em direção à Europa, o que precisa ser combatido com inteligência e planejamento, e não apenas abarrotando as prisões, verdadeiros depósitos de seres humanos que, para sobreviver, precisam aderir a uma ou outra facção. Não há quase nada no sistema penitenciário que permita a recuperação dos presos, o que há são realidades absurdas que agravam sua agressividade, como mostram as 16 decapitações havidas em Altamira.

É preciso lembrar que 35% dos presos em Altamira são provisórios, não foram julgados e, portanto, não tem sentença condenatória. E mesmo que fossem, estão sob a tutela do Estado e não deveriam ser mortos, mas cumprir suas penas. Não há pena de morte no Brasil e não se pode aprofundar ainda mais a barbárie.

O Complexo Penitenciário de Altamira tinha 343 presos para apenas 163 vagas. A superlotação é consequência da explosão da violência no município. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que Altamira passou da média de 16,8 mortes por 100 mil habitantes em 2000, para 105 mortes por 100 mil habitantes em 2015, um aumento de 600% em 15 anos. A população cresceu de 77 mil pessoas em 2000, para 113 mil em 2018, quase dobrando, sem as devidas condições de infraestrutura, já que os apelos pelas condicionantes foram desprezados durante o governo Dilma.

A imprensa nacional descobriu horrorizada que no local do massacre não há enfermaria, biblioteca, oficinas de trabalho ou salas de aula. A Norte Energia, responsável por Belo Monte, tem culpa nisso, porque deveria ter concluído em 2015 as obras do Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu, parte das condicionantes sociais da obra, tanto que o Ministério Público Federal abriu nesta quinta-feira ação para investigar o atraso.

Também se espera do Governo Estadual seriedade ao tratar do problema. Foi estranho e contribuiu para isso a substituição do antigo diretor do Complexo Penitenciário, um militar experiente, por uma advogada que nunca exerceu função semelhante e não conhece tão bem a área, por questões de amizade e compadrio político.

A questão da segurança pública, aliás, tem que ser tratada de maneira menos midiática e mais efetiva, afinal, só este ano, 26 policiais militares foram mortos e outros 16 feridos em atentados e confrontos com bandidos, entre eles, uma policial grávida. Para efeito de comparação, São Paulo, com cerca de 100 mil policiais, teve 14 mortes este ano. E a policia que morre nas mãos de bandidos também mata: só este ano, foram 415 mortos em ações policiais, com a média de duas mortes por dia.

É uma guerra que não aparece na propaganda oficial. As promessas de valorização da PM e novo concurso precisam sair do papel, porque o processo de treinamento desses policiais é demorado, e há um déficit de 14 mil policiais, o dobro do que seria coberto pelo concurso anunciado, as delegacias continuam sem funcionamento durante 24 horas, o déficit de vagas no sistema prisional é gritante, os roubos espetaculares a bancos no interior continuam e falta estrutura para as polícias, enquanto a população continua sitiada pela criminalidade.

Arnaldo Jordy é advogado e ex-deputado federal

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